Legislativo

Dos 31 projetos apresentados pelos vereadores de Santa Maria, 24 têm problemas

Ian Tâmbara

Foto: Gabriel Haesbaert (Diário)

De acordo com a Lei Orgânica Municipal, a principal atribuição de um vereador é legislar sobre assuntos de interesse do seu reduto. Em Santa Maria, desde o início do ano até a última sexta-feira, 31 projetos de autoria dos parlamentares foram protocolados na Câmara. Mas o que chama a atenção é que, entre essas matérias, 24 propostas foram retiradas, devolvidas para ajustes ou receberam parecer contrário da Procuradoria Jurídica, que é o setor responsável por fazer a primeira análise das proposições (veja mais abaixo).

Segundo o procurador jurídico da Câmara, Leonardo Kortz, apesar do alto índice de projetos inconstitucionais, a prioridade dos vereadores é apresentar algo para a população.

- Eles não têm essa ideia de ser, ou não, constitucional. Eles querem simplesmente propor - explica o advogado, responsável por fazer apontamentos nos projetos.

Propor leis, mesmo que com problemas, acaba virando uma prática comum entre os parlamentares, de acordo com o cientista político e professor da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) Guilherme Howes.

- É uma tentativa de mostrar serviço. Mesmo que não seja aprovado, ele pode mostrar que estava trabalhando e ainda mostra que a burocracia estaria trancando o processo - avalia Howes.

Legislar é, segundo Kortz, não só elaborar leis, mas, também ,fiscalizar o trabalho do Executivo. Ou, em outras palavras, conforme Howes, trata-se de uma espécie de vigilante do poder público. Para ser considerada inconstitucional, uma lei não pode, sobretudo, ferir a Constituição Federal. Ou seja, a proposta de um vereador não pode entrar em conflito com a legislação do país ou do Estado nem invadir a autonomia do município. Porém, o procurador explica que não existe uma ordem estabelecida.

- Não há uma hierarquia, desde que haja simetria. Quer dizer, a proposta de lei não é sobreposta às leis federais e estaduais, mas precisa estar na mesma lógica que elas - esclarece Kortz.

PLACAR 2019

  • 36 Projetos protocolados, entre 1º de janeiro e 1º de março de 2019
  • 31 De autoria de vereadores
  • 26 Já foram analisados pela Procuradoria Jurídica
  • 8 Deles foram devolvidos para ajustes
  • 8 Tiveram parecer contrário
  • 8 Foram retirados pelos vereadores
  • 2 Tiveram parecer favorável

Já Howes afirma que os projetos com falhas não são um problema exclusivo de Santa Maria - estão presentes em todo o país, inclusive na Assembleia Legislativa e na Câmara dos Deputados. Em compensação, o professor explica que outros países utilizam equipes especializadas para elaborar as leis.

- A função de um vereador é abastecer o Executivo, produzir base legislativa e fiscalizar no sentido de ser uma espécie de vigilante. O legislador só não pode transcender a esfera do município. Nos Estados Unidos, há uma produção legislativa muito mais objetiva. Isso é explicado pelo fato de que eles têm uma assessoria bastante técnica, diferente daqui, onde as vagas de assessor são ocupadas por cargos políticos - explica o professor.

Com os inúmeros projetos inconstitucionais desde o início do ano, a Procuradoria Jurídica, que dá parecer opinativo, resolveu fazer uma reunião com representantes dos 21 vereadores da Casa, há duas semanas. A intenção, segundo Kortz, é explicar o quanto é necessário e ter uma conversa prévia com o setor jurídico para evitar burocracia e agilizar o processo de tramitação.

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PROJETOS COM PARECER CONTRÁRIO
Entre as propostas que não receberam parecer favorável, estão quatro mais recentes e de grande relevância para a cidade. O Diário ouviu o posicionamento dos autores, que explicaram o que pretendem fazer a partir da avaliação da Procuradoria. Confira:

  • Impede a inauguração de obras públicas inacabadas, de Marion Mortari (PSD) e Luciano Guerra (PT) (os vereadores protocolaram dois projetos semelhantes em um intervalo de uma semana)

"Nós chegamos a conversar rapidamente na última quinta, mas ficamos de reunir durante esta semana. Os dois projetos tiveram parecer contrário, o do Marion porque é inconstitucional, e o meu porque era semelhante ao dele. Nós vamos retirar os projetos para ajustes, ver o que a Procuradoria está alegando e, depois, retomar um novo projeto em conjunto."
Luciano Guerra, PT

"Nós vamos sentar e conversar. Ainda não fizemos uma reunião, mas vamos fazer os ajustes em conjunto." 
Marion Mortari, PSD

  • Institui que as empresas de ônibus tenham um funcionário, além do motorista, nos veículos, de Adelar Vargas (MDB), Bolinha

"Estamos trabalhando com dois advogados e o ex-procurador da Câmara. O projeto vai prosseguir nas comissões, porque o parecer do procurador é opinativo. Vamos formar uma comissão para analisar a proposta."
Adelar Vargas (MDB), Bolinha

  • Reserva vagas de estacionamentos públicos e particulares para pessoas com deficiência física, grávidas e mulheres com crianças de colo, de Juliano Soares (PSDB), Juba

"Foi instituída uma comissão especial para tratar do tema. Esse projeto eu apresentei em 2018 e não deu tempo de formar as comissões ainda no ano passado. O parecer da Procuradoria era apenas opinativo. Nós já fizemos as mudanças e vamos seguir com as comissões."
Juliano Soares (PSDB), Juba

  •  Proíbe a circulação de veículos de tração animal na Região Central da cidade, de João Kaus (MDB)

"Nós mudamos um pouco o projeto. Tiramos o foco da justificativa no trânsito, porque ficou parecendo que o importante era só isso, e passamos para a segurança do carroceiro e do animal. A matéria vai entrar para o debate mesmo assim, porque o parecer é apenas sugestão e não indefere o projeto. Tem outros juristas que não veem essa inconstitucionalidade. Não quero aprovar um projeto que não tenha entendimento de todos."
João Kaus, MDB

Foto: Gabriel Haesbaert (Diário)

O CAMINHO DOS PROJETOS

  • Protocolo
  • Diretoria Legislativa
  • Pauta
  • Procuradoria Jurídica
  • Assessoria Técnica
  • Comissões permanentes (Constituição e Justiça, Ética e Decoro Parlamentar, Direitos Humanos e Cidadania, Educação, Cultura e Lazer, de Orçamento e Finanças, Políticas Públicas, Assuntos Regionais e Distritais e Saúde e Meio Ambiente)
  • Comissões temporárias (criadas para analisar projetos específicos ou para tratar de assuntos específicos)
  • Ordem do dia (é quando o projeto vai para discussão em plenário pelos vereadores)
  • Votação pelos vereadores
  • Texto final
  • Publicação da lei

PRIMEIRA ANÁLISE
Antes de seguir para as comissões, os projetos passam pelo crivo da Procuradoria Jurídica, que pode dar parecer favorável, contrário ou pedir ajustes. O parecer é sempre opinativo. No setor, são analisadas diversas questões:

  • Constitucionalidade - Se o projeto fere ou não a Constituição
  • Competência - As propostas precisam seguir as atribuições do Legislativo
  • Legalidade formal - Formato do projeto (projeto de lei, resolução, emenda)
  • Forma e técnica - Artigos, normas técnicas de escrita do projeto

TRAMITAÇÃO 

  • Os projetos que são analisados pelas comissões permanentes podem parar na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que analisa a legalidade e a constitucionalidade das matérias; É a primeira a apreciar a proposta depois da Procuradoria Jurídica. Em caso de parecer contrário, ele não segue adiante, é arquivado. Os pareceres da Procuradoria são opinativos, e os da CCJ, terminativos.
  • Quando o projeto recebe parecer favorável da Procuradoria Jurídica, Assessoria Técnica e das comissões permanentes, a proposta segue sua tramitação normal até chegar para votação em plenário por todos os vereadores
  • Em caso de o projeto ser de lei complementar, é preciso criar uma comissão especial para analisar o tema. E mesmo com parecer contrário da Procuradoria Jurídica pode seguir tramitando, cabendo a decisão final aos vereadores
  • É o caso, por exemplo, da proposta que proíbe circulação de veículos com tração animal no centro de Santa Maria. Mesmo com parecer desfavorável da Procuradoria Jurídica, o projeto será analisado em comissão especial. Ou seja, não impede o seguimento do projeto

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